Qual é o significado de "integral" ?
Jack Crittenden
Tony Schwartz, antigo rep�rter do New York Times e autor de What Really Matters: Searching for Wisdom in America, definiu Ken Wilber como "o mais completo pensador filos�fico do nosso tempo". Creio que � verdade. De fato, j� pensava assim h� vinte anos, quando fundei o ReVision Journal, at� certo ponto com o objetivo de prover um canal de divulga��o para a vis�o integral que Ken j� expressava. Eu acabara de ler seu primeiro livro, O Espectro da Consci�ncia, escrito quando tinha vinte e tr�s anos. O menino-prod�gio morava em Lincoln, Nebraska, lavava pratos, meditava e escrevia um livro por ano. Main Currents in Modern Thought, que publicou seu primeiro ensaio, estava prestes a sair do mercado, e era meu desejo manter vivo o foco e o esp�rito integrativo que esta publica��o representava. Isto, combinado com meu desejo de trabalhar com Ken, induziram-me a arrast�-lo para o neg�cio editorial. Naquela �poca, ambos est�vamos com vinte e sete anos e num espa�o de um a dois anos t�nhamos ReVision montado e funcionando, baseado em grande parte na vis�o integral que ambos compartilh�vamos e que Ken j� vinha articulando de uma maneira poderosa.
Mas � exatamente a natureza completa e integral da vis�o de Wilber a chave para que seu trabalho, algumas vezes, traga � tona rea��es extremadas. Tomemos como exemplo seu recente Sex, Ecology, Spirituality. Certamente o livro tem seus admiradores. Michael Murphy afirma que, juntamente com Life Divine de Aurobindo, Being and Time de Heidegger e Process and Reality de Whitehead, Sex Ecology, Spirituality � um dos quatro grandes livros deste s�culo. O Dr. Larry Dossey o considera "um dos mais importantes livros j� publicados", enquanto Roger Walsh compara seu escopo a Hegel e Aurobindo. O mais perspicaz leitor do grupo, invocando a famosa escolha de Alasdair MacIntyre entre Arist�teles e Nietzsche, afirma que n�o, o mundo moderno tem realmente tr�s op��es: Arist�teles, Nietzsche ou Wilber.
Os detratores do livro, alguns dos quais voc� ler� nas pr�ximas p�ginas, n�o s�o menos numerosos, barulhentos ou determinados. Feministas afirmam X; Junguianos dizem Y; desconstrutivistas, sempre irritados e perplexos por serem colocados fora do contexto, falam Z � isto para n�o mencionar as rea��es gen�ricas dos ecologistas profundos, do movimento mitopo�tico, dos empiristas, dos comportamentalistas, dos gn�sticos, dos neopag�os, dos pr�-modernistas, dos astr�logos � para citar alguns. A maioria dos cr�ticos ressentiu-se dos ataques de Wilber em seus campos particulares, ao mesmo tempo que justificou ou reconheceu o brilhantismo do seu ataque nos outros campos. Entretanto, at� agora ningu�m apresentou uma cr�tica coerente � abordagem global de Wilber. A ira coletiva � surpreendente, mas a cr�tica tem sido pequena e inconseq�ente.
Desejo focalizar o que realmente est� envolvido nesse debate. Porque, n�o nos iludamos, se a abordagem de Wilber � mais ou menos precisa, ela nada mais faz do que oferecer uma coerente integra��o de virtualmente todos os campos do conhecimento humano.
A abordagem de Wilber � o oposto do ecletismo. Ele apresenta uma vis�o coerente e consistente que interliga harmoniosamente afirma��es-de-conhecimento de campos como a f�sica e a biologia; as ecoci�ncias; a teoria do caos e as ci�ncias sist�micas; a medicina, a neurofisiologia, a bioqu�mica; a arte, a poesia e a est�tica em geral; a psicologia do desenvolvimento e um espectro de esfor�os psicoterap�uticos, de Freud a Jung a Piaget; os te�ricos da Grande Cadeia, de Plat�o e Plotino no ocidente a Shankara e Nagarjuna no oriente; os modernistas, de Descartes e Locke a Kant; os idealistas, de Schelling a Hegel; os p�s-modernistas, de Foucault e Derrida a Taylor e Habermas; as principais tradi��es hermen�uticas, Dilthey a Heidegger a Gadamer; os te�ricos de sistemas sociais, de Comte e Marx a Parsons e Luthmann; as escolas contemplativas e m�sticas das grandes tradi��es de medita��o, orientais e ocidentais, das principais religi�es do mundo. Tudo isso � apenas uma amostra. H�, ent�o, alguma surpresa no fato de que aqueles que focalizam, de maneira estreita, um campo particular do conhecimento possam sentir-se ofendidos por seu campo n�o ser apresentado como o eixo do Kosmos?
Em suma, para os cr�ticos os riscos s�o enormes; n�o estarei sendo tendencioso, neste momento, se sugerir que os cr�ticos que focaram seus pontos preferidos no m�todo de Wilber est�o atacando uma �rvore espec�fica na floresta da sua apresenta��o. Mas se, ao inv�s, olharmos a floresta e se sua abordagem for, em geral, v�lida, ela aceita e incorpora mais verdades do que qualquer outro sistema da hist�ria.
Como assim? Qual � seu verdadeiro m�todo? Ao trabalhar em qualquer campo, Wilber simplesmente recua para um n�vel de abstra��o no qual as v�rias abordagens conflitantes concordam entre si. Tomemos como exemplo as grandes tradi��es religiosas do mundo: Todas concordam que Jesus � Deus? N�o. Ent�o, devemos desconsiderar isso. Todas concordam que h� um Deus? Isto depende do significado de "Deus". Elas concordam com Deus, se por "Deus" entendemos um Esp�rito que, em todo os sentidos, � inqualific�vel, do Vazio do Budismo ao mist�rio do Divino do Juda�smo? Sim, isto funciona como uma generaliza��o � o que Wilber denomina uma "generaliza��o orientadora" ou "conclus�o forte".
Wilber aborda igualmente todos os outros campos do conhecimento humano: da arte � poesia, do empirismo � hermen�utica, da psican�lise � medita��o, da teoria evolucionista ao idealismo. Para cada caso, re�ne uma s�rie de generaliza��es orientadoras consistentes e confi�veis, para n�o dizer irrefut�veis. Ele n�o est� preocupado, nem seus leitores devem ficar, se outros campos aceitariam as conclus�es de um dado campo; em resumo, n�o se preocupe, por exemplo, se conclus�es emp�ricas n�o se coadunam com conclus�es religiosas. Ao inv�s, simplesmente re�na todas as conclus�es orientadoras como se, indubitavelmente, cada campo tivesse importantes verdades a nos dizer. Este � exatamente o primeiro passo de Wilber em seu m�todo integrativo � um tipo de fenomenologia de todo o conhecimento humano, conduzida atrav�s de generaliza��es orientadoras. Em outras palavras, junte todas as verdades que cada campo acredita poder oferecer � humanidade. Por agora, simplesmente assuma que elas s�o realmente verdadeiras.
A seguir, Wilber arruma essas verdades em cadeias ou redes de conclus�es interligadas. Neste ponto, Wilber, com precis�o, altera o rumo � de um m�todo de mero ecletismo para uma vis�o sistem�tica. Pois o segundo passo do m�todo de Wilber � considerar todas as verdades ou generaliza��es orientadoras, reunidas no primeiro passo, e colocar a seguinte quest�o: Que sistema coerente incorporaria, de fato, o maior n�mero dessas verdades?
Wilber afirma que o sistema apresentado em Sex, Ecology, Spirituality (resumido de maneira simples e clara nas p�ginas seguintes) � o sistema que incorpora o maior n�mero de generaliza��es orientadoras do maior n�mero de campos da indaga��o humana. Assim, se ele se sustenta, a vis�o de Wilber incorpora, honra e integra mais verdades do que qualquer outro sistema da hist�ria.
A id�ia geral � simples. N�o � discutir qual te�rico est� certo e qual est� errado. Sua id�ia � que todos est�o basicamente certos e ele deseja entender como pode ser isso. Wilber diz: "N�o acredito que a mente humana seja capaz de errar cem por cento. Assim, ao inv�s de questionar qual abordagem est� certa e qual est� errada, assumo que cada abordagem � verdadeira mas parcial, e, ent�o, tento visualizar como encaixar essas verdades parciais, como integr�-las � n�o escolher uma e livrar-me das outras."
O terceiro passo da abordagem global de Wilber � o desenvolvimento de um novo tipo de teoria cr�tica. Uma vez que Wilber tenha o esquema geral que incorpora o maior n�mero de generaliza��es orientadoras, ent�o ele usa este esquema para criticar a parcialidade de abordagens mais estreitas, embora haja considerado as verdades b�sicas dessas abordagens. Ele critica n�o suas verdades, mas sua natureza parcial. Portanto, nesta vis�o integral h� um ind�cio para ambas as rea��es extremas ao trabalho de Wilber � isto �, as afirma��es de que � um dos mais importantes trabalhos j� publicados bem como o coro de furiosa indigna��o e ataque. As cr�ticas furiosas procedem, quase sem exce��o, de te�ricos que consideram seu pr�prio campo o �nico verdadeiro, seu pr�prio m�todo o �nico v�lido. Wilber n�o � seriamente criticado por n�o entender ou deturpar quaisquer dos campos que considera; ele � atacado, isso sim, por incluir campos que um cr�tico particular n�o acredita serem importantes ou por "chifrar o boi" do cr�tico (sem ofensa aos vegetarianos). Freudianos nunca disseram que Wilber n�o entende Freud; dizem que ele n�o deveria considerar o misticismo. Estruturalistas e p�s-estruturalistas nunca afirmaram que Wilber desconhece seus campos; dizem que Wilber n�o deveria incluir todos aqueles outros campos s�rdidos. E assim por diante. O ataque sempre apresenta a mesma forma: Como voc� se atreve a dizer que meu campo n�o � o �nico verdadeiro?!
Independentemente do que � decidido, como j� disse, os riscos s�o enormes. Perguntei a Wilber o que ele pensa do seu trabalho. "Gostaria de acreditar que fosse uma das primeiras filosofias mundiais aceit�veis, uma uni�o do Leste e Oeste, Norte e Sul." O que � interessante, j� que Huston Smith (autor de The World's Religion, assunto da muito aclamada s�rie de televis�o de Bill Moyers The Wisdom of Faith) recentemente afirmou: "Ningu�m � nem mesmo Jung � fez tanto quanto Wilber para abrir a psicologia ocidental para os duradouros insights das tradi��es da sabedoria mundial. Lenta mas decididamente, livro a livro, Ken Wilber est� criando as funda��es para uma genu�na psicologia oriental/ocidental."
Ao mesmo tempo, Ken acrescenta, "As pessoas n�o deveriam levar isso muito a s�rio. S�o apenas generaliza��es orientadoras. Todos os detalhes podem ser preenchidos a seu gosto." Em s�ntese, Wilber n�o est� oferecendo uma camisa-de-for�a conceitual. Na verdade, � exatamente o oposto: "Espero estar mostrando que h� muito mais espa�o no Kosmos do que podemos suspeitar."
Entretanto, n�o h� muito espa�o para aqueles que desejam preservar seus feudos, estreitando o Kosmos a um campo particular � a saber, o seu pr�prio � enquanto ignoram as verdades de outros campos. "Voc� n�o pode aceitar v�rios m�todos e campos", continua Wilber, "a menos que mostre como eles se encaixam. Esse � o caminho para construir-se uma genu�na filosofia mundial." Wilber est� mostrando exatamente este "encaixe". De outro modo, diz ele, teremos amontoados, n�o totalidades, e n�o estaremos realmente honrando nada.
Arist�teles comentou que ningu�m pode julgar o valor de sua vida at� que ela chegue ao fim, ningu�m pode determinar se viveu uma vida virtuosa a n�o ser que a considere em sua totalidade. Obviamente, sabemos a dificuldade de entender a totalidade, mais ainda de avali�-la, especialmente quando consideramos, como Wilber enfatiza, que uma totalidade � sempre parte de outra totalidade maior. Conhecemos o entusiasmo, e freq�entemente o trauma, ao tentar visualizar como as pe�as de nossas vidas individuais se encaixam; o quanto elas valem; a que e a quem elas est�o conectadas.
Assim, Wilber est� nos ajudando exatamente nesta tarefa; ele est� nos dando um padr�o que relaciona tudo da vida, do Kosmos, do Esp�rito. Seu trabalho vale como um guia para os segredos da vida � biol�gica, social, cultural e espiritual. Como voc�s ver�o amplamente mostrado nas pr�ximas p�ginas, ele nos desenhou um mapa detalhado, uma vis�o integral para o mundo moderno e p�s-moderno, uma vis�o que unifica o melhor da sabedoria antiga e o melhor do conhecimento moderno. Atrav�s deste verdadeiramente extraordin�rio trabalho, ele nos encoraja a continuar nosso pr�prio trabalho � a jornada vivencial para a totalidade que nenhum de n�s pode evitar mas que, at� o surgimento desta vis�o integral, poucos podiam compreender completamente.
Tradu��o de Ari Raynsford
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